Se alguém me perguntasse qual o meu filme favorito, eu teria sérios problemas pra responder. Acho que acabaria nem conseguindo. Já se a pergunta fosse qual o mais querido, aquele que me faz ter um carinho especial, mesmo reconhecendo algumas falhas aqui e ali, ah, esse com certeza é A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, 1967).
Os motivos são muitos, mas o maior deles é que esse é o preferido do meu pai. Por muitos anos eu ouvi os relatos de como essa história foi importante pra ele e pros outros jovens daquele tempo. E de como foi imediata a identificação com o personagem principal: deslocado, confuso e pressionado pela família a tomar um rumo na vida. O mesmo que todos os outros haviam tomado antes dele e ninguém parecia questionar.
Quando eu finalmente assisti, senti como se Ben (Dustin Hoffman) já fosse um velho conhecido, e como se fossem familiares também aquelas paisagens da Califórnia dos anos 60. Eu senti uma nostalgia estranha, como se tudo aquilo fosse do meu passado, e como se aquelas imagens fossem lembranças conjuntas minhas e do meu pai. Num lugar em que nós nunca fomos. Num tempo em que eu não vivi.
E não só pra nós acabou sendo um filme importante, mas também pra história do cinema. A Primeira Noite de um Homem foi um dos filmes que iniciaram a “Nova Hollywood”, um período que durou do fim dos anos 60 ao início dos 80 e foi marcado por filmes inovadores, contestadores e polêmicos, revolucionando os sistemas de estúdio.
Foi uma época mágica em que filmes de grande qualidade também foram sucessos comerciais, como O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), Taxi Driver (1976) e A última sessão de cinema (The Last Picture Show, 1971).
A história de A primeira Noite em si não é muito extraordinária: garoto recém-formado passa a ter um caso com uma mulher mais velha, mas posteriormente se apaixona pela filha dela. É até banal, né? Mas desde a cena dos créditos, com um Ben pensativo no aeroporto, a gente sabe que tem mais aí, e que esse cara é um de nós.
Quem nunca se sentiu deslocado por ter uma família com valores bem diferentes? Ou ficou horrorizado de encontrar parentes e amigos dos seus pais que só cobravam uma definição de um futuro que você nem tem ideia de como vai ser? Sem falar nas sugestões estapafúrdias que todo mundo se sente no direito de fazer. Eu te entendo Ben, também me sinto assim a cada “e esse bebê, quando vem?” ou “e não vai trabalhar não?” que dirigem pra mim.
“We’d like to help you learn
To help yourself”
E do outro lado, temos a hoje famosíssima figura da Mrs Robinson (Anne Bancroft), a mulher mais velha, fatal, que conduz o jovem protagonista aos caminhos da safadeza. Na época foi chocante, um escândalo. Como assim uma senhora casada parte pra cima de um jovenzinho querendo nada mais que sexo casual? Um absurdo!
E o engraçado é que a atriz tinha 36 anos na época, só seis a mais que o Dustin Hoffman, que aos 30 anos interpretava um rapaz de 21. Não, essa não foi uma prática inventada pela Malhação ou por Dawson’s Creek.
Mas a Mrs Robinson é mais do que só uma iniciadora sexual de menininhos.. Ela é a imagem do que Ben pode se tornar caso permita que a sua vida seja conduzida pelos outros. Um dia ela também foi uma jovem cheia de sonhos, que acabou arrastada pelas circunstâncias a um casamento infeliz e a uma vida medíocre
E essa fachada de mulher insensível foi o jeito que ela arrumou de sobreviver. Só acho uma pena que a partir de um certo momento da história toda a complexidade da personagem acabe reduzida à imagem de uma vilã com ciúmes/inveja da filha. As atitudes dela na segunda metade do filme nunca são muito bem explicadas
“Laugh about it. Shout about it
When you’ve got to choose
Every way you look at it you lose”
Prefiro pensar então na Mrs Robinson no seu auge, na mulher que toma a iniciativa, que conduz o affair e deixa o Ben embasbacado. E mesmo que a relação deles seja meio vazia, uma fuga de realidade pra ambos, não tem como não se emocionar com aquelas cenas, pelas transições lindíssimas e a trilha sonora de Simon and Garfunkel.
Aliás, foi a partir daí que trilhas sonoras com músicas pop conhecidas se tornaram lugar-comum no cinema. E eu desafio você a assistir esse filme e não cantarolar “Mrs Robinson” pro resto da eternidade.
Até meu pai que tem Alzheimer lembra.
Sendo que essa música nem foi feita pro filme, já tinha sido finalizada quando os produtores contactaram Simon and Garfunkel. Eles só trocaram o nome da pessoa, e por isso a letra dessa música não faz muito sentido com o filme. Mas ninguém liga.
Acho que esse foi um dos filmes mais bem acabados que eu já vi. As cenas todas são tão cuidadas, tão cheias de propósito, não me admira que Mike Nichols tenha levado o Oscar de melhor diretor em 1968. Tudo pra mim é marcante, da festa estranha com gente esquisita ao jogo de gato e rato entre Mrs Robinson e Ben, dos micos que ele pagou no hotel aos encontros com Elaine (Katharine Ross) em Berkeley. Eu morro de vontade de conhecer essa universidade só por conta disso.
E eu mal falei na Elaine né? Mas tudo bem, apesar de ela ser super linda e super fofa, o foco aqui era a mãe dela.
Tá certo que uma certa virada pro dramalhão deu uma prejudicada mais pro final do filme, comprometendo principalmente a personagem da Mrs Robinson, como eu já falei. E aquele casamento a toque de caixa, mesmo sob pressão, não combinou em nada com o que a Elaine tinha se mostrado. A cena da igreja foi ligeiramente constrangedora, é preciso admitir também.
Mas o final, ah, esse vai ficar marcado em você pra sempre. Tão nostálgico, tão agridoce. Pra pensar em todas essas grandes revoluções que fazemos na nossa vida, e se elas alteram as coisas tanto assim.
Esse texto foi escrito em 2013, num outro blog meu, em uma outra vida, quando a grande bigorna do mundo ainda não tinha caído na minha cabeça.
Mas fui reler hoje por acaso e ele continuou tão verdadeiro como quando eu escrevi, aí resolvi passar pra cá.
Quando meu pai morrer, porque no Alzheimer não existe “se”, mas “quando”, já combinamos que não vai ter velório, porque é um ritual que tem tanto a ver com a gente quando a sugestão de investir em plásticos tinha a ver com o Ben.
Eu não sei o que a minha irmã vai fazer nesse dia, depois de a gente lidar com toda essa chatice que os corpos sem vida demandam.
Só sei que eu vou estar assistindo A Primeira Noite de um Homem, e tá aí uma coisa que formalidade nenhuma vai tirar de mim.